Com o tema político em alta, casos de suposta corrupção e abuso de poder são cada vez mais comuns nos noticiários. Estes casos demonstram o uso da máquina estatal e as prerrogativas próprias de cargos públicos para adquirir vantagem particular em detrimento do interesse da sociedade e da democracia.
O tema abuso de poder é de extrema relevância, sendo assim, é necessário entender como funciona toda sua sistemática, do momento em que se tipifica o ato até a responsabilização dos agentes públicos que abusam de suas prerrogativas.
E é sobre este tema que iremos tratar neste conteúdo.
O que é considerado abuso de poder?
Abuso de poder de maneira direta e resumida, é considerado como ato humano cometido sob a utilização de privilégio ou cargo, seja ele público ou particular, para conseguir vantagens particulares que extrapolam o limite das suas funções ou direitos.
Já em termos do exercício de função pública, podemos definir o abuso de poder como o comportamento irregular, omissivo ou intrusivo, da utilização de recursos públicos, ou de bens e serviços que é executado sem a observância das formalidades definidas em lei, para obter ou não vantagem.
Para melhorar o entendimento destas definições, nós devemos entender que a constituição da máquina administrativa pública é para prestar serviços em prol do interesse público. Sendo assim, o ordenamento jurídico determina uma série de poderes e deveres e até prerrogativas para que o estado tenha meios de fazer valer o interesse coletivo.
As formalidades que permeiam a administração pública é uma forma que temos de nos proteger contra o próprio estado, caso contrário a supremacia do interesse público sob o privado poderia pôr em xeque o equilíbrio de uma gestão pública saudável, eficiente e democrática.
Desta forma, toda atitude, seja ela comissiva ou omissiva, feita fora destas formalidades definidas pelo ordenamento jurídico, é considerada como abuso de poder.
O estado, ao mesmo tempo que dá poderes e prerrogativas para determinados sujeitos, também exerce uma atividade regulatória e punitiva para manutenção do equilíbrio, para propor um desenvolvimento saudável da máquina administrativa em perfeito equilíbrio com os particulares.
Quais os tipos de abuso de poder?
A priori é importante informar que o abuso de poder é considerado como um gênero, e dele se desdobram as espécies de abuso de poder que são: excesso de poder; o desvio de poder ou desvio de finalidade; a omissão. Falaremos sobre eles adiante.
Excesso de poder
Uma das manifestações do abuso de poder é o excesso de poder. A sua manifestação se dá no momento em que um agente público atua além das competências próprias do seu cargo, ou fazendo o uso do bom e velho latim, age “ultra legem”, que nada mais é que agir acima da lei.
É quando, por exemplo, mesmo o agente tendo competência para a execução do ato, ele atua além de suas prerrogativas administrativas, extrapolando a legalidade e portanto tornando seu ato anulável.
O vício ou problema está na competência e na atuação fora de seus limites.
Desvio de poder
Muitas vezes o excesso de poder é facilmente confundido com o desvio de poder, mas temos de informar que ambos são espécies totalmente diferentes do gênero abuso de poder.
O desvio de poder ocorre quando o agente pratica um ato por qualquer motivo que não seja o interesse público, ou ainda “contra legem”, ou seja contra a lei.
Por mais que o ato esteja descrito em lei e seja permitido, o agente o utiliza com finalidade outra que não o bem público, muitas vezes a benefício próprio ou de outrem.
Um exemplo de fácil visualização é o de um agente público que pratica a desapropriação de um determinado imóvel, o que é permitido por lei, entretanto ele o faz para prejudicar o dono do imóvel, por ser um desafeto seu.
Aqui o vício ou erro está na finalidade, o ato está dentro da competência do agente, contudo ele o faz com finalidade diversa daquela permitida em lei, podendo ser a benefício próprio ou de outrem.
Omissão
A administração pública, conforme explicado no texto, é dotada de prerrogativas, obrigações e princípios que ao mesmo tempo dão poder e o limita para o bem coletivo.
Dentro dessa lógica, temos na administração pública o princípio da indisponibilidade do interesse público, que é dizer que, a atuação do agente público é obrigatória e irrenunciável. Ou seja, o agente deve agir no momento oportuno, conforme determinação de lei que o obrigue, caso não faça, caracteriza um ato omissivo.
Ou seja, a omissão ocorre quando o administrador deveria agir em determinado caso e não o faz, ou ainda, quando se verifica inércia administrativa em realizar suas funções, de maneira injustificada.
Aqui o vício está na inércia injustificada diante de uma obrigação de agir.
O que a Lei diz sobre abuso de poder?
A lei que dispunha sobre abuso de poder era a Lei n° 4898/65, nela continha o procedimento de representação e responsabilidade civil e penal para o administrador que não agia em acordo com as normas regulamentadoras.
Ainda assim, tratava-se de uma lei de 1965 e por isso era muito criticada por não se adequar a atualidade, sendo considerada por muitos como obsoleta.
Por este motivo ela foi revogada em 2019 e substituída pela Lei n° 13.869/19, que trouxe algumas atualizações para a lei.
E o que encontramos nesta lei?
Na lei sobre abuso de poder encontramos informações valiosas sobre o abuso de poder, que dão espaço para responsabilização de quem comete atos indevidos sob a edge da máquina pública. Dentre estas, separamos algumas das determinações mais relevantes encontradas na lei, vejamos:
Sujeitos do crime: já no primeiro artigo da lei, vamos de encontro a definição de quem poderá ser sujeito do crime, que poderá ser cometido por qualquer agente público, sendo ele servidor ou não, desde que no exercício de suas funções ou utilizando-se deste pretexto para cometer o abuso de autoridade. Sendo ainda necessário que a conduta tenha tido a finalidade de prejudicar alguém ou trazer benefício próprio ou para terceiros.
Logo em seguida, o art. 2º da mesma Lei n° 13.869/19, lista de maneira explícita em um rol não taxativo, as pessoas que podem ser sujeito passivo do crime:
“Art. 2º É sujeito ativo do crime de abuso de autoridade qualquer agente público, servidor ou não, da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de Território, compreendendo, mas não se limitando a:
I – servidores públicos e militares ou pessoas a eles equiparadas;
II – membros do Poder Legislativo;
III – membros do Poder Executivo;
IV – membros do Poder Judiciário;
V – membros do Ministério Público;
VI – membros dos tribunais ou conselhos de contas.”
No parágrafo único do art. 2º, há ainda uma complementação da definição de Agente Público:
“Parágrafo único. Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função em órgão ou entidade abrangidos pelo caput deste artigo.”
As penalidades para os crimes: a lei tem como penalidades para quem pratica os crimes de abuso de poder medidas que podem ser, a condenação à prisão, pagamento de multa, penas restritivas de direito, suspensão do cargo e as vantagens que ele oferece.
Há um vasto número de artigos na lei para tentar abarcar todas as formas de abuso de poder. As penas de prisão tem como pena mínima de 6 meses a um máximo de 4 anos somadas de multa pecuniária, já em casos específicos, a pena poderá ser majorada de acordo com a conduta do agente.
Quanto às penas restritivas de direito, é a utilização de penas alternativas, que podem ser a prática de serviços à comunidade ou a entidades públicas. Ademais temos a suspensão do cargo com a perda dos vencimentos e vantagens durante o período da suspensão, que poderá ser de 6 meses.
Exemplos e notícias de abuso de poder
Os exemplos estão ocorrendo diariamente no dia a dia do brasileiro, mas na maioria das vezes nós sequer sabemos que a atitude do agente público constitui crime, e por isso não sabemos como reagir, ficando refém de determinadas situações.
Um exemplo comum de excesso de poder, é encontrado na blitz policial onde o agente que detém a competência de pedir para que qualquer cidadão encoste seu veículo e neste ato pedir ainda, documentos de identificação do motorista e do veículo para averiguação, realizando até mesmo revista pessoal, não satisfeito exigir e apreender sua CNH.
A apreensão da CNH extrapola sua competência, configurando o excesso de poder! Tal competência cabe ao departamento de trânsito do estado em que ocorreu o fato e não ao agente policial.
Um caso ganhou repercussão quando policiais agridem e rasgam a CNH de um motoboy em Manaus, durante abordagem.
Nessa mesma situação, o agente policial que utilizou-se de sua competência para revista-lo, usou também deste momento para agredir o motoboy, ele pratica neste ato o desvio de finalidade, pois neste caso a verificação mediante revista pessoal tem a finalidade de verificar se o cidadão carrega consigo algum ilícito e não para agredir o mesmo.
Ou ainda, durante a pandemia ocorreram diversas situações que configuram desvio de finalidade.
A exemplo, no Pará, policiais militares foram direcionados a um bar que funcionava além do horário permitido, com a finalidade de fechar o estabelecimento, contudo neste ato os policiais agrediram fisicamente o dono do estabelecimento sem nenhuma motivação aparente, desviando então de sua finalidade que era apenas de fechar o bar, configurando abuso de poder mediante desvio de finalidade.
Já quando falamos de omissão, podemos considerar muitas situações, como aquela onde um governante deveria comprar insumos para hospitais e não o faz injustificadamente, ou quando alguém no exercício da função pública tem o dever de prezar pela vida e segurança de alguém e não o faz, a exemplo um paramédico que não efetua o atendimento na ambulância de um cidadão por ser desafeto do mesmo ou um policial que se recusa a atender determinada ocorrência.
Nesta linha, podemos ainda, usar o exemplo de um policial federal que é ordenado a acabar com um bloqueio ilegal de rodovia e não o faz, abusando do poder que tem a partir da omissão de cumprir com algo que era obrigado.
Caso recente ocorreu onde ministro do TCU mandou a PRF esclarecer possível omissão mediante bloqueios rodoviários após o resultado das eleições.
Quais as consequências para abuso de poder?
As consequências para o abuso de autoridade vão desde penas privativas de liberdade até mesmo a suspensão do cargo por 6 meses e das vantagens que acompanham o cargo.
Todas estas consequências estão na Lei n° 13.869/19, que diga-se de passagem tratam de um crime em legislação extravagante, ou seja, um crime que não está no Código Penal.
A partir do art. 4º, temos os efeitos da condenação, que são:
- Perda do cargo;
- Inabilitação para exercício de cargo público de 1 a 5 anos;
- Tornar certa a obrigação de indenizar os danos causados pelo abuso de poder.
Já no art. 5º, as penas restritivas de direitos, elas são aplicadas em substituição às penas privativas de liberdade ou cumuladas a elas:
- Suspensão do cargo, salário e das vantagens o acompanham por 1 a 6 meses;
- Prestação de serviços a entidades públicas ou a comunidade.
Do art. 9º ao art. 38 da Lei n° 13.869/19 estão listados todos os crimes que incorrem em pena privativa de liberdade, contudo, não iremos listá-los, para não deixar o conteúdo muito extenso. Tais dispositivos tratam de crimes mais graves, que violam direitos fundamentais dos civis sobre a proteção do Estado.
A exemplo temos: o impedimento de entrevista privada entre advogado e preso; privar injustificadamente a liberdade de algum indivíduo; manter preso em mesma cela pessoas de sexo oposto; constranger mediante o uso do cargo alguem a dispor de segredo que o beneficiara; dentre outros.
Qual a diferença entre abuso de poder e de autoridade
A diferença entre ambos é algo bem confuso para quem não estuda o tema, mas ambas estão relacionadas no uso abusivo do poder que determinado sujeito detém.
A primeiro momento podemos dizer que abuso de poder, ele pode ser político, hierárquico, financeiro e até mesmo de influência, podendo ser classificado no âmbito público e privado.
Já quando tratamos de abuso de autoridade, que também é um uso arbitrário do poder que o sujeito detém, ela abarca o abuso de poder e outras condutas mais amplas, além do excesso ou desvio de poder e a omissão.
Assim o abuso de autoridade, alcança no âmbito penal, condutas ilegais que vão além do abuso de poder e suas espécies, ou seja, é o englobamento amplo a respeito de todo e qualquer tipo de abuso de poder.
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